Poemas

 Linha Recta 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos, 
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo? 
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Álvaro de Campos( heterónimo de Fernando Pessoa)

A nossa opinião:

Neste poema o poeta enumera consecutivamente os seus defeitos.
É um poema bastante forte e erónico e representa uma sociedade  de regras, leis , preconceitos, uma sociedade muito fechada, em que as pessoas são falsas e não admitem o que de mal elas têm. Também é vil e errónea , mas o poeta admite e os outros não porque são cobardes.
Este poema está a sociedade através dos seus defeitos.

Nota: Podes ver na página "Palavras nunca dizem tudo" um concorrente do programa "Portugal tem talento" que declamou este poema na audição. É surpreendente a forma como ele o faz.

Poemas para Lili

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada –
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela –
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não –
No comboio descendente
De Palmela a Portimão ...


Fernando Pessoa

A nossa explicação:

Na primeira estrofe do poema existe alegria, gargalhadas, entusiasmo,animação...isto tudo é sinal de juventude(euforia).
Na segunda estrofe as pessoas já se comportam melhor, menos euforia porque nesta altura do comboio as pessoas são crescidas  , já há maturidade(moderação).
Na terceira estrofe as pessoas estão com sono  e cansadas, o que significa a velhice(cansaço).

No comboio descendente ---> mudança de espírito ;trajecto,espaço de norte para sul ---> metáfora da vida

"Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não "

Nestes versos o sujeito poético está-se a contrariar, porque no 1º verso diz" Mas que grande reinação!" que significa que está uma grande festa mas depois no resto dos versos diz que estão com sono e cansados por isso o poeta está a fazer um acto de ironia.

Como podemos reparar existe uma repetição de "No comboio descendente" o que provoca um estado de sonolência, embala e é por isso que no fim do poema eles estão cansados e a dormir.

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